13 mar Antonio Adolfo & Leila Pinheiro lançam “Vamos Partir Pro Mundo – A Música de Antonio Adolfo e Tibério Gaspar”
Antonio Adolfo e Leila Pinheiro se encontraram a fim de criarem, juntos, um álbum muito especial com as composições dele e de Tibério Gaspar. Era um sonho antigo e, a partir dessa ideia, Antonio e Leila passaram a se reunir, trocar ideias, ensaiar, checar os tons etc. Diretor musical e arranjador do disco, Antonio e Leila escolheram as canções que pareciam mais atuais e, através das novas versões, trouxeram a elas um novo ar. “Para mim eram músicas novas, uma vez que não havia gravações recentes”, comentou Leila. “Foi um presente mergulhar nessa obra maravilhosa. “Vamos Partir Pro Mundo – A Música de Antonio Adolfo e Tibério Gaspar” levou um ano para ficar pronto e cada detalhe foi cuidadosamente trabalhado. Lançado pela gravadora Deck, o registro chega aos aplicativos de música e também em CD.
A faixa de abertura “Dono do Mundo” foi originalmente criada para o disco “Brazil And Brazuka”, de Antonio Adolfo. Joe Davis, dono da inglesa FarOut Records, encomendou-lhe o álbum na década de 1970, quando a MPB estourava para o mundo e o pianista carioca já com o prestígio de sua banda A Brazuca. “Resolvi convidar o Tibério (para compor comigo) e deu muito certo: estávamos mais amadurecidos, com mais técnica para a composição”, explicou. Outro resultado da época de A Brazuca, “Gloria, Glorinha” foi escrita logo após um show d’A Brazuca no Espírito Santo. Na época em que o after party ainda era uma ‘esticada na boite’, os músicos se encantaram com garotas mineiras que passavam férias na cidade de Guarapari e Glória, presente naquela noite, acabou homenageada com a canção. Originalmente gravada em clima de festa pelo conjunto, a faixa ainda foi interpretada posteriormente por Claudette Soares e Doris Monteiro.
Composta originalmente para o filme “Ascensão e Queda de Um Paquera” (1970), de Victor di Mello, “Cláudia” carrega todo o clima de uma garota de Copacabana anos 1960. A letra descreve a atmosfera da icônica praia à época em combinação com a música — originalmente “meio bossa, meio Burt Bacharah”. Em suas conversas, Antonio e Tibério sempre comentavam como a faixa merecia uma regravação. Leila, então, foi uma escolha natural de intérprete.
“Sá Marina”, que dispensa apresentações, é o maior sucesso dos dois e apresentou um curioso desafio: justamente por ter sido extensamente regravada, era difícil para Antonio criar uma releitura original. Mas isso não foi impeditivo: “No 40º arranjo cheguei a uma harmonia bem diferente da original e tudo saiu tranquilo com a interpretação grandiosa de Leila”. A presença do percussionista Dadá Costa, tocando congas, traz influências da música caribenha. O solo da música faz referências, numa espécie de meta-homenagem, a Stevie Wonder, que consagrou sua própria versão da música (“Pretty World”) com um solo de gaita. No novo disco essa responsabilidade ficou por conta de Gabriel Grossi, grande sensação do instrumento.
“Vamos Partir Pro Mundo”, que foi escolhida canção-título do disco, “foi a última que fizemos no final de 1970, quando fui para o exterior e Tibério para Goiás”, contou Adolfo. Isso ocorreu logo após o Festival Internacional da Canção daquele ano, quando a dupla venceu com a clássica “BR-3”, interpretada por Tony Tornado e o Trio Ternura. “Resolvi me exilar, mas não sem antes deixar “Vamos Partir Pro Mundo” para o Tibério letrar. Na época ela foi gravada por Doris Monteiro, e agora magistralmente pela Leila”, completou. Enriquecendo o já incrível time de participantes, Roberto Menescal contribui com um solo de guitarra no meio do arranjo. “Gravar com Menescal sempre é um privilégio”.
“Teletema” também foi trilha sonora, porém da novela “Véu de Noiva” (Rede Globo, 1969/70). A música tem influência de Michel Legrand e a letra conta um final triste de um relacionamento de Tibério com uma namorada, que morreu num acidente de automóvel exatamente enquanto os versos da canção eram escritos. A tragédia, juntamente com o finado romance, a música e todo o momento acabaram por ditar o tom da letra. Originalmente gravada por Regininha, “Teletema” foi vice-campeã da Olimpíada da Canção de 1970, em Atenas, Grécia. A nova versão, em compasso ¾, ganhou um interlúdio cujo piano é acompanhado pelo trompete de Jessé Sadoc.
“Domingo Azul” é uma canção alegre e despretensiosa, que descreve um momento feliz numa manhã de domingo, numa praia. O arranjo em ritmo de ijexá apresenta um groove construído a partir da combinação da notável ‘cozinha’ de Jorge Helder (baixo), Marcio Bahia (bateria) e Dadá Costa (percussão). Leila, mais uma vez, flui espontânea com melodia e letra.
“Alegria de Carnaval” surgiu em 1967. Trata-se, portanto, de um dos primeiríssimos frutos da parceria. Uma marchinha com pitadas de frevo, a música descreve um clássico baile de carnaval interiorano. Sua sutileza, porém, reside em destacar as sensações agridoces de alegria e tristeza que Antonio carrega desses momentos. Tudo isso combinado com harmonias à la bossa sessentista.
“Caminhada”, da mesma safra de 67, foi, de fato, a primeira composição da dupla. “Eu vinha tentando criar um estilo novo: adicionar as harmonias ‘modernas’ do jazz e da bossa a um outro estilo que não fosse samba”, explicou Antonio. Dessas experimentações, e com ajuda de amigos compositores que traziam novidades da América do Norte, surgiram os embriões da toada moderna e do novo baião. “No nosso novo disco misturei baião com ijexá e outras bossas, com harmonia e uma melodia, agora aprimorada, que somente uma grande cantora como Leila Pinheiro é capaz de interpretar com tanta tranquilidade”, explicou o compositor.
Também abordando memórias do interior do Brasil, “Giro” alinha baixo, bateria e percussão à gaita e o trompete em uma melodia animada. Leila, inclusive, se junta a Elis Regina na lista de suas intérpretes. “A Cidade e Eu”, por outro lado, é triste, misteriosa e profunda. Uma mistura de amor e dor realçados pela harmonia e pela flauta contralto de Marcelo Martins, a música e a letra explodem na segunda parte, com uma extensão melódica desafiadora para qualquer cantor. “Originalmente meu grupo Brazuca interpretou-a, mas talvez o clima demasiado pop da gravação à época (1969) não tenha sido ideal. Leila, entretanto, explode com toda a emoção em sua performance”.
“Ao Redor” foi composta originalmente para a novela “Pigmalião 70” (Rede Globo, 1970). Os temas foram distribuídos pelo produtor musical Nelson Motta entre os compositores que faziam sucesso naquele momento e ela foi escolhida como a trilha romântica do folhetim. Sua versão original ficou por conta de Claudette Soares. “Pela Cidade”, também gravada inicialmente pela A Brazuca, tem seu lirismo, letra e melodia realçados na nova gravação. “Criei um arranjo também bem diferente do original que se encaixasse na modernidade de Leila e de nossos dias”, detalhou.
“Tema Triste”, também de 1967, já havia sido gravada por Maysa em 1969. Ganhou, agora, uma nova interpretação de voz acompanhada apenas de piano e contrabaixo. Leila conseguiu extrair todo o sentimento do tema. “Quando ela cantou emocionou tremendamente todos que estavam no estúdio”, relembrou Antonio. “Correnteza”, por fim, encerra o disco com a combinação perfeita da música de Antonio Adolfo e Tibério Gaspar sob o canto de Leila. A música, que já havia sido gravada por Simonal em 1968, resume bem o clima da notável parceria em seu início. Originalmente uma toada moderna que se transforma em bossa, ela também conta com participação de Roberto Menescal na regravação.
Apesar de já se conhecerem previamente, Leila e Antonio tiveram uma proximidade inédita durante as gravações no estúdio Tambor. A intensa convivência e o esforço desmedido em alcançar o primor tornou até mesmo complicado fechar o repertório do álbum (Adolfo e Gaspar compuseram mais de 50 músicas juntos). O disco, entretanto, saiu. E muito mais que uma relembrança do legado dessa dupla de compositores, trata-se da exibição de uma magnífica cantora e um passeio por importante seção do cancioneiro nacional. Tudo isso com arranjos modernos, que mantêm frescor no que é clássico.